' Agora que fizeste uma clicadela, apoveita e dá uma espreitadela ; ) #




sexta-feira, 26 de março de 2010

     Descrição de alguns cartoons

 Mostramos agora "a faceta" satírica dos cartoons na Primeira República, tema central do nosso trabalho. É necessário transmitir uma mensagem fundamental: o período da República não se limita a uma "produção literária", existe também um lado iconográfico/satírico, que complementado com uma explicação teórica se torna bastante apelativo de explorar.   

O Gulliver da imprensa
      O jornal é uma arma de combate, megafone que espalha a voz do dono à escala nacional.
     Em finais de 1800 foram apertadas as rédeas sobre a imprensa, proibindo-se o que os juízes consideravam ofensivo ou subversivo, mas os jornais (sobretudo os doutrinários) continuavam a publicar toda a espécie de rumores, insinuações e segredos e de alcova que sirvam a sua casa.
      Em Lisboa desenrola-se durante anos um braço de ferro entre jornalistas e o juiz de instrução criminal e chefe de polícia,  Francisco Veiga, que não hesita em suspender jornais.
      Franco obriga-o à demissão após “A Luta” revelar  D. Carlos na compra de prédios para albergar os régios amores clandestinos. É substituído por Trindade Coelho, Maçon que quase sempre iliba os acusados de abuso de liberdade de imprensa, sobretudo as pró- republicanas. No fim da década os periódicos tornaram-se um incontrolável instrumento antimonárquico.
      Nas páginas seguintes, as manchetes de alguns dos mais importantes jornais da época relativos aos incidentes registados no regresso de Franco do Porto, em Junho de 1907, ilustra uma pluralidade de imprensa e mostram a sua liberdade e linguagem.
      A Paródia prevê que em 1903 a imprensa, esta gigantesca máquina (Gulliver) exterminará os inimigos ao acordar. Ou seja, os monárquicos serão demolidos pelos jornais e a República avançará.



Shiu, não quero piu!
      Portugal é católico, impregnado pelo clericalismo. A Igreja Católica confunde-se com o próprio aparelho do Estado e mantém em todos os níveis uma omnipresença asfixiante.
       A intimidade da Igreja com o Estado é enorme, dando-lhe um estatuto de gigantesca repartição pública do divino. A Constituição estabelece que o Estado tem por religião oficial e única o catolicismo.
      Declararam a sua adesão expressa à fé católica, além da Carta Constitucional, os Códigos Civil, Pessoal e Administrativo, além de outras leis básicas. Do berço à cova, a vida do cidadão é controlada pela Igreja. Não há registo civil. É a Igreja que faz o rol dos nascimentos, dos matrimónios e dos óbitos.
      Os bispos, sustentados pelo Erário público têm por inferência assentes na Câmara dos Pares, dispondo de influência na política e nas leis.
      Bispos e padres são nomeados pelo Governo, passando a receber a partir de certa idade uma reforma oficial como qualquer funcionário público. Existe até no Governo o Ministério dos Negócios Eclesiásticos e Justiça. É no Estado que tem origem grande parte das rendas da Igreja.
     Com a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, Afonso Costa foi chamado a integrar o Governo Provisório da República, na pasta da Justiça e Cultos, lugar que ocupou até à dissolução daquele Governo (para ter sido aprovada a nova Constituição a 4 de Setembro de 1911).
     Recebeu dos seus opositores, a alcunha de “mata – frades”, pela legislação laicista que mandou publicar – Lei da separação do Estado e da Igreja, que alude no cartoon.
    A Igreja deixa de poder receber recompensas ou dinheiro das pessoas, perde bens inobiliários e mobiliário, deixa de ser a única religião do Estado.
    Afonso Costa torna-se obsessão por todos, desde os embaixadores, que reconhecem nele estofo de estadista (o único capaz de pôr fim à monarquia-relata o embaixador inglês para Londres - mas que não passa “ de um tirano à latino-americana, sem qualquer ideia de conciliação ou de liberdade”) até aos humoristas, de que é o alvo preferido, passando pelos eclesiásticos de privilégios perdidos e pelos seus inúmeros adversários republicanos.
     É o que se vê no cartoon- Afonso Costa como um diabo que vem acabar com o reinado da Igreja, queimando-a na fogueira tal qual a inquisição, expiando os seus crimes de abuso das fiéis a quem explorou por séculos.
Afonso Costa diz-lhes: Schiu, não quero piu!
Ou seja, acatem a ordem da admistração civil republicana e mais nada…


O que é de César com o que é de Deus
      Estado e Igreja vivem em tal promiscuidade que, apesar do esmagador catolicismo dos portugueses, muitos se questionavam acerca desta relação. O anticlericalismo não deixa de alastrar.
      Portugal é católico, mas, mais do que isso, impregnado pelo clericalismo no mais fundo de cada um dos seus poros. A igreja católica confunde-se com o próprio aparelho de estado e mantém em todos os niveis uma omnipresença asfixiante.
     A constituição estabelece que o estado tem por religião oficial e única o catolicismo. Comete crime quem celebre um culto público não - católico, sendo também crime faltar ao respeito à Igreja Católica.
     Do berço à cova, a vida do cidadão é controlada pela Igreja Católica. Não há registo civil. É a Igreja que faz o rol dos nascimentos, dos matrimónios e dos óbitos. Bispos e padres são nomeados pelo governo chegando a ter uma influência na política e nas leis.
    São muitas as obrigações que a Igreja impõe aos seus fiéis. Ter fé deixou à muito de se traduzir na defesa e na prática dos valores cristãos, mas sim no cumprimento de múltiplos rituais, orações recitadas, devoções, cânticos e comunhões. Pentência e comunhão definem o bom católico.
   Implantada a 1º República , os portugueses deixam de ter obrigações para com a Igreja porque o catolicismo deixa de ser a religião oficial de Portugal , tornando-se um Estado laico.



A FORÇA DA RUA

      A imagem de marca da República é a agitação permanente encarada como normalidade quotidiana, como se os politícos não conhecessem outra fora de se bater pelo poder. Bombas, atentados, pancadarias, sabotagens, revoluções. É tempestuosa a rotina politica nacional dos anos 10.
      O escritor Augusto de Castro, ironiza na Ilustração Portuguesa a meio da década: «As revoluções em Portugal tornam-se periódicas e como tal, não há razão para que não entrem, como a chuva ou o bom tempo, as festas mudáveis e os dias de feriados, nas previsões dos meteriologistas e nos programas do Borda d’ Água.»
      A Lisboa das revoluções, à força da insistência, acaba por absorver a agitação no quotidiano.
      Raul Brandão descreve os sentimentos da cidade durante mais uma intentona (Janeiro de 1908): « Tiros lá para o rio. Os marinheiros revoltaram-se. Cerram-se os taipais a toda a pressa e às dez, onze horas, começam as descargas no silêncio da cidade mergulhada em trevas. De manhã é o canhão qu fala. A fuzilaria dura até à uma hora. Andam soldados, em bandos, armados pelas ruas quase desertas. Mas logo depois dos tiros, Lisboa, já habituada, sai para a rua. À noite enchem-se os animatógrafos e os teatros».
      Através destes comentários e do que este cartoon nos mostra concluimos que para os lisboetas já é normal toda esta confusão, todas esta revoluções, já vivem com tudo isto, na realidade é a tranquilidade que incomoda e não a agitação.


O voto livre / Parlamentarismo
       O voto livre feminino, que Carolina Ângelo põe na agenda com o seu gesto desafiador do poder político masculino, é ridicularizado pelos humoristas na imprensa. A possibilidade de as mulheres votarem, foi discutido em 1911 devido ao gesto de Carolina Ângelo perante os humoristas. A República proíbe o voto das mulheres, ainda por completar pelo sufrágio em quase todos os países. Em 28 de Maio realizaram-se as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Valendo-se da omissão sobre o sexo do chefe da família, a médica e 1º cirurgiã portuguesa Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911) reivindicou o seu direito de votar, invocando a sua qualidade de chefe de família ", pois era única e mãe de uma filha. A lei não previa que o chefe de família fosse entendida como uma mulher".
      O tribunal constitucional entendeu que a forma gramatical “ cidadãos portugueses” abrangia também as mulheres e deferiu a sua pretensão. Para evitar isso, a lei foi alterada no ano seguinte e especificação de que apenas os chefes de família do “ sexo masculino” poderiam votar. Este cartoon realça o facto, de as mulheres não poderem votar. O 2º cartoon reforça este, pois se as mulheres estivessem no parlamento dominariam o homem.
       O sistema político português assentava num rotativismo partidário, que consistia na alternância dos dois principais partidos monárquicos, o Regenerador (liderado por Augusto Hintze Ribeiro, que já havia chefiado o governo) e o Progressista (chefiado por José Luciano de Castro que já havia alternado com Hintze á frente do Ministério). Ruína, era a palavra que melhor classificava a imagem da classe política portuguesa, pois os constantes conflitos entre os membros dos partidos, as rivalidades inúteis que se sobrepunham aos interesses da vida nacional e a própria descrença no rotativismo em aliviar a situação débil do país foram os principais factores responsáveis pelo desabamento deste sistema político português.

Bibliografia:

• VIEIRA, Joaquim – Portugal Século XX, Crónica em Imagens 1900-1010. Edição nº 4085. Círculo de Leitores ISBN 972-42-1909-7

• VIEIRA, Joaquim – Portugal Século XX, Crónica em Imagens 1910-1020. Edição nº 4086. Círculo de Leitores ISBN 972-42-1986-0

• Couto; Rosas; Antónia – O Tempo da História – 3ª Parte, História A – 11ºano. 1º Edição. Porto Editora